Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida. João 5:24


segunda-feira, 28 de julho de 2014

Atos dos Apóstolos - Parte 1

Atos: histórico, teológico, apologético e missiológico

O livro de Atos dos Apóstolos é uma obra histórica, teológica, apologética e missiológica. Se não, vejamos.

1) Histórico - O objetivo de Lucas, em Atos dos Apóstolos, é historiar os eventos que se sucederam na Igreja e através da Igreja, destacando sempre a Igreja de Cristo como a agência por excelência do Reino de Deus. Seu relato vai da ascensão de Jesus, no Monte das Oliveiras, até à prisão domiciliar de Paulo, em Roma. O autor revela, de maneira bem clara o seu objetivo:

“Escrevi o primeiro livro, ó Teófilo, relatando todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar até ao dia em que, depois de haver dado mandamentos por intermédio do Espírito Santo aos apóstolos que escolhera, foi elevado às alturas. A estes também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas provas incontestáveis, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando das coisas concernentes ao reino de Deus. E, comendo com eles, determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, a qual, disse ele, de mim ouvistes. Porque João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias. Então, os que estavam reunidos lhe perguntaram: Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel? Respondeu-lhes: Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade; mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra” (At 1.1-8).

A historiografia lucana é científica. Fruto de ampla pesquisa, revela-se metódica e expõe-se sistemática. Ele jamais se contentou com fontes que não fossem primárias. Além de escrever a história da Igreja Primitiva, desta mesma história participou. Ele oculta-se na majestade da segunda pessoa do plural, para revelar a singularidade da pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo na vida de seus apóstolos e evangelistas.

2) Teológico - Ao fazer história, Lucas dá-se a conhecer como grande e sublimado teólogo. A teologia vai aparecendo em sua obra de forma progressiva, observando sempre o ritmo de sua narrativa. Assim, realça ele o Reino de Deus através da Igreja no poder do Espírito Santo. Não era a sua intenção elaborar um tratado teológico. Mas, ao narrar as ações dos apóstolos do Cristo, fez-se teólogo. Como dissociar a História Sagrada da teologia bíblica e cristocêntrica?

3) Apologético - Os Atos dos Apóstolos são também um livro apologético. Em primeiro lugar, os discípulos de Jesus defenderam as verdades cristãs diante das autoridades judaicas que, de forma blasfema e arbitrária, tudo fizeram por matar a Igreja em seu nascedouro. Tendo em vista tal ameaça, o Espírito Santo instrumentalizou a Pedro e a João como os dois primeiros apologetas da Igreja (At 4.1-30). Em seguida, levanta o diácono Estevão que apresenta, diante dos mesmos potentados, uma brilhantíssima apologia de Nosso Senhor Jesus Cristo como o Cristo profetizado no Antigo Testamento (At 7).

Doutor dos gentios, o apóstolo Paulo faz seguidas defesas do Cristianismo diante dos gentios, realçando duas grandes doutrinas: o monoteísmo e a soteriologia cristológica. Haja vista o seu discurso no Areópago diante dos filósofos estóicos e epicureus (At 17.1-30). Esse pronunciamento pode ser considerado o mais perfeito enunciado do verdadeiro conhecimento de Deus.

4) Missiológico - Apesar de missionário, os Atos dos Apóstolos não são um tratado missiológico. Lucas, porém, ao narrar os primeiros empreendimentos evangelizadores da Igreja Cristã, deixa bem patente que aquela geração de crentes tinha em si, já bastante cristalizada, uma teologia de missões. Evangelizar, para eles, não era apenas uma demanda teológica, mas uma questão de obediência ao Senhor ressurreto e assunto.

Os cristãos primitivos não faziam distinção entre missões nacionais e estrangeiras. Tendo diante de si a Grande Comissão que nos confiou o Cristo, puseram-se a proclamar ousadamente o Evangelho em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria. Ignorando fronteiras, quer étnicas, quer culturais, chegaram aos extremos do mundo até então geografado.

Para os cristãos de Atos dos Apóstolos, a missiologia não se acomodava no âmbito da teoria, mas dinamizava-se numa prática que levava a Igreja a forçar as portas do inferno através da proclamação do Evangelho de Cristo.

| Autor: Pr. Claudionor de Andrade 

Atos dos Apóstolos - Parte 2

Lucas, o médico amado e grande historiador da Igreja Primitiva

Não temos muitas informações acerca do autor de Atos dos Apóstolos. Sabemos apenas tratar-se de um homem singularmente culto e possuidor de um estilo literário de impressionante grandeza. Lendo-lhe o prólogo do terceiro evangelho, apreendemos de imediato a imparidade de seu engenho e a peregrinação de sua arte (Lc 1.1-4).

Pelo que depreendemos de suas obras, veio ele a converter-se depois da ascensão do Senhor Jesus. Mas, a partir da segunda viagem missionária de Paulo, ei-lo a participar ativamente da evangelização das gentes, pois destas era filho.

1) Um autor gentio a serviço do Rei dos judeus - Um artista da palavra que realçou a precisão. Basta ler a Epístola de Paulo aos Colossenses para se concluir ter sido Lucas um gentio de ascendência cultural grega (Cl 4.1-14). É possível fosse ele também cidadão romano.

Por conseguinte, Lucas é o único autor não hebreu das Sagradas Escrituras. Através de sua pena, sempre bela e terça, o Evangelho universaliza-se naquelas comunidades gregas, romanas e bárbaras que iam, pouco a pouco, sucumbindo à mensagem poderosa da cruz enunciada pelo apóstolo Paulo de Antioquia até Roma.

2) Um historiador que teologizou o avanço da Igreja - Quem não se encanta com os relatos de Heródoto? Filho do quinto século antes de Cristo, é ele alcunhado de o Pai da História. Pois fugindo ao mito e evitando os redimensionamentos de Homero e Hesíodo, buscou mostrar os gregos como estes realmente eram: seres humanos sujeitos às fraquezas, mas capazes de inacreditáveis façanhas. Apesar de todo o seu esforço, Heródoto não conseguiu evitar as hipérboles. Lucas, porém, lograria o que não alcançara o seu ilustre compatriota. Nos Atos dos Apóstolos, mostra o sobrenatural da operação do Espírito Santo na vida de homens naturalmente frágeis e limitados.

Fez Lucas, em seu evangelho, um relato fidedigno e metódico de “todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar até ao dia em que, depois de haver dado mandamentos por intermédio do Espírito Santo aos apóstolos que escolhera, foi elevado às alturas” (At 1.1-2). Já em Atos dos Apóstolos, pôs-se ele a narrar a expansão da Igreja de Cristo. Neste livro, a propósito, Lucas  participa não somente como autor, mas também como o personagem que, de forma modesta, oculta-se nas famosas seções do pronome da 1ª pessoa do plural (At 20.6, 8, 13,15; 21.16; 27.8 etc).

3) Um artista da palavra - Há historiadores que se contentam em reconstituir o passado, registrar o presente e futurar o porvir. Todavia, não se preocupam com o estilo. Poucos são os que, à semelhança de Alexandre Herculano, Oliveira Martins e Winston Churchill, fazem da historiografia uma obra de arte. Lucas pertencia a este seleto grupo. Tanto em seu evangelho como em Atos, vai ele não somente trabalhando, como também lapidando o texto. E de tal forma o lapida, que temos a impressão de estar diante de uma pedra de peregrino valor.

Em sua pena, o koinê ganha os mesmos contornos que a linguagem clássica cunhou na poesia de Homero, no teatro de Sófocles, na oratória de Demóstenes e nos diálogos de Platão. Lucas é um escritor por excelência. Mas não permitia que a beleza do texto empanasse a verdade dos fatos que, desde a ascensão de Nosso Senhor, se iam sucedendo na Igreja e através da Igreja, até a prisão de Paulo.

4) Um médico que compreendeu a verdadeira dimensão da fé - Lucas é o maior exemplo de que a verdadeira ciência pode conviver harmonicamente com a religião do Único e Verdadeiro Deus. Médico formado com todos os rigores acadêmicos da época, ele sabia como viver em harmonia com a natureza que nos deixou o Criador e não tinha dificuldade alguma em conviver com o sobrenatural e com os milagres que o Senhor opera no âmbito de sua obra. Se por um lado, deleitava-se em curar os enfermos que encontrava durante as incursões missionárias de que tomou parte; por outro, não lhe causava nenhuma estranheza quando Paulo impunha as mãos sobre os doentes e os curava das mais estranhas e malignas moléstias.

Nesse tempo, a medicina era bastante desenvolvida entre os gregos e os romanos. A escritora canadense Taylor Caldwell ao romancear a vida de Lucas, revela que os médicos formados nas academias gregas achavam-se habilitados, inclusive, a fazer operações plásticas. Aliás, no tempo dos macabeus, não eram poucos os israelitas que, na ânsia de se helenizarem, recorriam a procedimentos que lhes disfarçavam o sinal da circuncisão.

O ambiente que Lucas frequentou, antes de converter-se a Cristo, era academicamente sofisticado. A ciência ali era levada a sério. Sem eles, não teriam nossos cientistas alcançando tanto êxito. Entre os gigantes daquela época, achava-se o evangelista Lucas.

Lucas não era apenas médico. Conheciam-no todos como o médico amado (Cl 4.14). Seguindo certamente as recomendações de Hipócrates, o pai da medicina, tudo fazia para que os seus pacientes vissem-no também como um amigo. Num consultório do Rio de Janeiro, tive a impressão de que o Dr. Lucas lá estivesse. Pois um quadro trazia uma confissão simples, mas profundamente filosófica e ética: “Fui procurar um médico; achei um amigo. Eis aí o princípio de minha cura”. Como necessitamos de médicos que, à semelhança de Lucas, se dediquem aos doentes sem fazer das doenças uma fonte de renda.

Quando de meu transplante hepático, encontrei vários médicos e enfermeiros que procuravam, em suas limitações, imitar o médico amado. No Hospital Geral de Bonsucesso, no Rio de Janeiro, havia muitos discípulos de Lucas. E lá também estava o Médico que não somente nos emprestava a sua amizade, mas que nos garante a vida: Jesus Cristo, a quem Lucas anunciava quando exercia amorosamente a medicina.

Deveria Lucas, por conseguinte, ser o patrono não somente dos médicos, mas de todos os que se aplicam à ciência. Na prática, ele demonstrou que o cientista realmente sábio não encontra fronteiras entre a ciência e a religião; sua fronteira é o amor que consagra àquele que é a fonte de todo conhecimento e sabedoria.

5) Um missionário que não se limitou a escrever a história - Lucas é conhecido como médico e evangelista. No entanto, era ele também um missionário. Integrante da equipe de Paulo, andejou as vias romanas, singrou mares, enfrentou naufrágios. E em Roma prestou a necessária assistência ao apóstolo, a fim de que este não se visse de todo desamparado. Num momento de consolo, o doutor dos gentios mostra o quanto Lucas lhe é leal: “Somente Lucas está comigo” (2 Tm 4.11).

Não seria exagero se Lucas recebesse de igual modo o título de apóstolo, pois como apóstolo acompanhou Paulo em três de suas quatro viagens missionárias. Como apóstolo, escondeu-se ele na majestade da segunda pessoa do plural, a fim de singularizar o Senhor Jesus Cristo.

| Autor: Pr. Claudionor de Andrade 

Atos dos Apóstolos - Parte 3

Onde e quando foi escrito Atos dos Apóstolos

As evidências internas de Atos dos Apóstolos levam-nos a concluir que tenha Lucas escrito o livro por volta do ano 61. Paulo ainda vivia quando o autor encerrou a obra e, logo em seguida, remeteu-a ao excelentíssimo Teófilo. Somos obrigados a supor que ele encontrava-se em Roma assistindo o apóstolo em sua prisão domiciliar.

Mas, antes de entrarmos a fazer tais considerações, vejamos o tema do livro de Atos.

1) Tema - Podemos resumir assim o tema central dos Atos dos Apóstolos: A expansão triunfal do Evangelho de Cristo através da Igreja no poder do Espírito Santo.

Por intermédio das atuações evangelizadoras dos apóstolos, aprendemos como a fazer missões nacionais e transculturais. Em sua narrativa missio-teológica, Lucas conscientiza-nos a  prosseguir a evangelizar povos e nações até aos confins da terra sem impedimento algum.

2) De Roma para o mundo - Capital do Império, avultava-se Roma como a mais luxuriante das cidades. Nessa época, quem imperava era o perverso, sanguinário e bestificado Nero. Um deus sem divindade era esse imperador. Embora tratado de senhor por todos os seus súditos, de seus vícios fazia-se escravo.

Deuses e homens confundiam-se pelas ruas, praças e demais logradouros de Roma. Aqui estavam os mais ilustres poetas, os mais requisitados oradores, os mais destacados militares e os cientistas que, herdeiros dos gregos, versavam sobre as últimas descobertas. Em uníssono, todos não se ocupavam a não ser de ouvir as novidades que chegavam das províncias com aqueles barcos e navios que aportavam nas sempre belas costas italianas.

Entre tanta gente ilustre e assinalada, achava-se o Dr. Lucas. Nalgum lugar bem periférico de Roma, quem sabe, redigia os atos daqueles apóstolos que, de Jerusalém e de Antioquia, navegaram por ondas tão bravias e irreconciliáveis, espalhando em cada litoral do Mediterrâneo, a boa semente do Evangelho de Cristo.

3) Data da composição do livro - Se os Atos dos Apóstolos tivessem sido escritos após a execução de Paulo pelas autoridades romanas, certamente Lucas, excelente historiador que era, teria feito menção ao fato. Aceita-se geralmente que Paulo foi executado no ano 64. Logo, Atos foi composto entre 61 e 63. O ano 61 está mais de acordo com os acontecimentos que se deram logo após a prisão do apóstolo em Roma. Teria ele realizado o seu intento de visitar a Espanha? (Rm 15.14,28).

Por conseguinte, os Atos dos Apóstolos também foram escritos antes da queda de Jerusalém que se deu no ano 70.

| Autor: Pr. Claudionor de Andrade 

Atos dos Apóstolos - Parte 4

Sobre o primeiro leitor de Atos

Lucas endereçou tanto o seu evangelho como os Atos dos Apóstolos a um nobre romano, de ascendência grega, conhecido simplesmente como Teófilo. Em grego, este nome significa aquele que ama a Deus. Acerca desse personagem, temos rias hipóteses.

1. Um novo convertido. Do prólogo do Evangelho de Lucas, logo depreendemos: Teófilo, de fato, era um homem nobre e de elevada posição social. Haja vista que Lucas usa um vocativo mui próprio às autoridades: “excelentíssimo Teófilo” (Lc 1.3).

Já em Atos, Teófilo é tratado não como autoridade, mas como alguém bem próximo de Lucas: “ó, Teófilo” (At 1.1). O que se conclui de ambas as passagens? Teófilo veio a converter-se com a leitura do Evangelho de Lucas e, agora, já parte do corpo místico de Cristo, lê os Atos dos Apóstolos, a fim de se inteirar de tudo o que o Espírito Santo estava fazendo na Igreja e através da Igreja.

Que exemplo deixa-nos Lucas. Para ganhar uma única alma, escreve todo um evangelho, narrando tudo o que Jesus fez e expondo de forma sistemática tudo o que o Mestre ensinou. Nesse empreendimento, não poupou estilo nem arte. Por que não agimos com esse mesmo amor? Quantas pessoas não poderíamos nós ganhar para Cristo com uma única carta? Ou com um singelo bilhetinho? Ou ainda com um e-mail que não nos furtaria nem dois minutos? Sim, dois minutos que irão proporcionar a um amigo, irmão ou vizinho, toda uma eternidade ao lado de Cristo.

2. O financiador da obra. Nos tempos bíblicos não eram poucos os mecenas. Aqueles homens ricos e mui abastados que, amantes das artes, resolviam subsidiar um escritor, um pintor ou um escultor. Por isso supõem alguns estudiosos ter sido Teófilo um desses financiadores. Sabendo dos pendores literários de Lucas e de seu projeto em reconstituir a vida, ministério e paixão de Nosso Senhor, achou por bem subsidiá-lo. Mais adiante, Lucas brinda-o com o relato da expansão da Igreja de Cristo no poder do Espírito Santo.

Esta hipótese, porém, não resiste a uma análise mais aprofunda e sistemática.

3. A comunidade cristã primitiva. Alguns acham que Teófilo não passa de um emblema da comunidade cristã primitiva. Logo que o seu nome significa, em grego, aquele que ama a Deus, dizem que tanto o terceiro evangelho, como os Atos dos Apóstolos, foram destinados a todos os que receberam a Cristo Jesus como seu bastante salvador e, agora, dedicam-lhe um amor que se acha acima de todos os amores.

Apesar da piedade desta teoria, ela também não resiste a uma pesquisa mais consistente. Na verdade, era Teófilo alguém das relações pessoais de Lucas. Alguém que veio a converter-se com a leitura das obras desse escritor tão genial que foi o médico amado.

| Autor: Pr. Claudionor de Andrade